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A invisibilidade da saúde mental na menopausa: Desafios e urgências

  • Foto do escritor: Instituto Emancipar
    Instituto Emancipar
  • 2 de mai.
  • 7 min de leitura

Atualizado: 9 de jun.

Um olhar interseccional sobre o envelhecer das mulheres


A menopausa é um fenômeno fisiológico natural que marca o fim da fertilidade reprodutiva da mulher, geralmente entre os 45 e 55 anos. No entanto, seu impacto vai muito além das alterações hormonais, especialmente quando pensamos nos aspectos emocionais e sociais desse período. Ainda pouco explorada sob a ótica da saúde mental, a menopausa segue cercada por tabus e silenciamentos, principalmente entre mulheres em situações de maior vulnerabilidade, como aquelas que vivem em zonas rurais ou que pertencem à comunidade LGBTQIAPN+.


Segundo a Organização Mundial da Saúde (2023), estima-se que, até 2030, mais de 1 bilhão de mulheres estarão na fase da pós-menopausa. No Brasil, de acordo com o IBGE (2022), há cerca de 29 milhões de mulheres com mais de 50 anos — um número significativo que reforça a urgência em discutir políticas públicas de atenção integral à saúde dessa população.

Uma pesquisa desenvolvida pelo Instituto Patrícia Galvão em parceria com a FEBRASGO (2023), com mais de 1.600 brasileiras entre 45 e 65 anos, revelou que 96% delas relataram impactos emocionais durante a menopausa, mas apenas 8% buscaram apoio psicológico. Isso revela não apenas uma carência de serviços, mas também uma cultura que deslegitima o sofrimento das mulheres nessa fase da vida.


Menopausa e saúde mental: um tabu persistente


Os sintomas da menopausa são amplamente conhecidos: ondas de calor, sudorese noturna, alterações no sono, secura vaginal e ganho de peso. Entretanto, os impactos na saúde mental são frequentemente negligenciados. A queda nos níveis de estrogênio pode desencadear quadros de depressão, ansiedade, irritabilidade e perda de memória. Segundo a Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (2021), entre 40% e 50% das mulheres na menopausa apresentam algum grau de transtorno depressivo.


Essa invisibilidade pode estar relacionada ao próprio estigma do envelhecimento feminino. A menopausa marca simbolicamente a “perda da função reprodutiva” da mulher — e, em uma sociedade que ainda valoriza a mulher a partir de sua juventude e capacidade de gerar filhos, isso pode ser vivido como uma perda de valor social. Como afirma Simone de Beauvoir em A velhice, "ninguém se dá conta de que está envelhecendo até que se percebe excluído das atividades da sociedade". Essa exclusão se torna ainda mais cruel para mulheres que já vivem à margem.


De acordo com a OMS (2023), mulheres têm o dobro de chance de desenvolver depressão em relação aos homens, e o risco aumenta justamente no período do climatério, entre os 45 e 55 anos. Ainda assim, a atenção à saúde mental nesta etapa da vida segue sendo negligenciada.


Barreiras no acesso ao cuidado psicológico na menopausa


As barreiras que impedem o acesso das mulheres à saúde mental durante a menopausa são estruturais e simbólicas. De um lado, há a escassez de serviços públicos com profissionais capacitados para lidar com os efeitos psicológicos dessa fase. De outro, pesa o estigma: muitas mulheres internalizam que “sofrer caladas” faz parte do processo natural de envelhecer.


Em comunidades mais vulneráveis, como as periferias urbanas, o campo e territórios indígenas, o cuidado psicológico é praticamente inexistente. Além disso, os poucos serviços existentes muitas vezes não são pensados a partir de uma perspectiva de gênero e interseccionalidade, o que torna o atendimento inadequado ou até mesmo violento.


Outro obstáculo é a ausência de escuta ativa nos atendimentos: profissionais de saúde não costumam perguntar sobre a saúde mental da mulher durante a menopausa, nem oferecer espaços de acolhimento. A falta de campanhas públicas que abordem a saúde emocional na menopausa reforça a sensação de isolamento vivida por muitas.



Mulheres da zona rural: acesso desigual à informação e cuidado


Entre as mulheres da zona rural, a negligência é ainda maior. Um levantamento da Fiocruz (2022) aponta que, nessas regiões, o acesso a serviços especializados de saúde da mulher é limitado, e muitas sequer têm acompanhamento ginecológico regular. Questões culturais também entram em jogo: muitas mulheres interiorizam a menopausa como um destino natural, sem direito à escuta, orientação ou cuidado.


Além disso, o trabalho rural é frequentemente associado à informalidade, ausência de previdência e dupla jornada — condições que agravam o estresse psicológico. A escassez de políticas públicas voltadas a essa parcela da população evidencia uma lacuna histórica dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres do campo.


Dados da pesquisa da FEBRASGO (2023) indicam que apenas 13,7% das mulheres do meio rural têm consultas regulares com ginecologistas. Isso reflete um desamparo estrutural que impacta diretamente a saúde física e mental.


Mulheres lésbicas e o envelhecimento invisibilizado


Para as mulheres lésbicas, o cenário é igualmente desafiador. Estudos como os realizados por Carla Akotirene (2018) e o dossiê Lesbocídio: as histórias que ninguém conta (Felippe; Lima, 2019) revelam o apagamento sistemático das vivências lésbicas em políticas de saúde.


A vivência lésbica, marcada por múltiplas camadas de exclusão e lesbofobia, torna a menopausa ainda mais solitária. A ausência de redes de apoio específicas, o medo do preconceito institucional e a dificuldade de acesso a serviços sensíveis às suas realidades geram impactos diretos na saúde emocional dessas mulheres. Ainda segundo a FEBRASGO (2023), 47% das mulheres lésbicas evitam ir ao médico por medo de sofrer discriminação.


Um tema ainda silenciado pela ciência e pelas políticas públicas


A baixa produção científica e a escassez de políticas públicas específicas reforçam o silêncio em torno do tema. O cuidado com a saúde mental de mulheres na menopausa ainda é secundarizado dentro do próprio sistema de saúde, que privilegia questões reprodutivas e deixa de lado o bem-estar emocional de mulheres maduras.


Além disso, os dados públicos disponíveis raramente são recortados por marcadores de sexualidade, raça e território, o que dificulta o desenho de políticas públicas interseccionais e eficazes. A ausência de estatísticas específicas sobre a saúde mental de mulheres lésbicas e rurais na menopausa é, por si só, um sintoma do descaso histórico com esses grupos.



Caminhos para a transformação: o que pode (e deve) ser feito


Capacitação profissional com recorte interseccional 

É essencial incluir, nas formações de profissionais de saúde, conteúdos sobre saúde mental na menopausa que considerem marcadores como classe, raça, território e sexualidade. Falar de menopausa sem levar em conta essas variáveis é reproduzir uma lógica excludente, que invisibiliza quem mais precisa de cuidado.


Ampliação de políticas públicas descentralizadas 

Criar e fortalecer políticas voltadas à saúde da mulher madura fora dos grandes centros urbanos é urgente. É necessário garantir equipes multidisciplinares que atuem em zonas rurais, quilombolas e indígenas, com escuta qualificada e recursos para cuidado integral.


Espaços de escuta e acolhimento 

Estabelecer grupos de apoio e rodas de conversa para mulheres na menopausa, respeitando suas identidades e especificidades — sejam elas heterossexuais, lésbicas, negras, indígenas, urbanas ou rurais. O apoio entre pares fortalece vínculos, rompe o isolamento e cria redes de solidariedade e pertencimento.


Campanhas de conscientização pública 

Incluir o tema da saúde mental na menopausa em campanhas institucionais e educativas é estratégico para combater o estigma do envelhecimento feminino. É preciso informar sobre sintomas, alternativas de cuidado e desconstruir os mitos que cercam essa etapa da vida.


Incentivo à produção científica inclusiva 

Fomentar pesquisas que explorem a menopausa sob múltiplas perspectivas, com dados recortados por raça, território e orientação sexual, é fundamental para subsidiar políticas públicas eficazes. Produzir ciência com e para essas mulheres é reconhecer seus saberes e experiências como legítimos.


Integração com atenção básica em saúde 

Inserir o acompanhamento da menopausa, inclusive no que diz respeito à saúde mental, no escopo da Atenção Primária à Saúde é essencial, especialmente em regiões de difícil acesso. A porta de entrada do SUS deve estar preparada para acolher essas demandas com dignidade e empatia.


Conclusão: é preciso romper o silêncio e agir

Falar sobre saúde mental na menopausa é um ato político. É dar visibilidade a uma fase da vida muitas vezes cercada por solidão, desinformação e negligência. É reconhecer que a menopausa não é apenas uma questão biológica, mas uma experiência profundamente social, atravessada por desigualdades de gênero, classe, sexualidade e território.


É urgente que o debate avance para além dos grandes centros urbanos e dos consultórios médicos, rompendo os silêncios que ainda cercam mulheres lésbicas, negras, indígenas e da zona rural. Mais do que tratar sintomas, é necessário construir um sistema de saúde que compreenda e acolha a complexidade da experiência feminina na maturidade.



Para isso, é fundamental:

  • Fortalecer a atenção psicossocial na atenção básica, com profissionais capacitados e sensíveis à diversidade.

  • Criar grupos de escuta e apoio que valorizem a troca de vivências entre mulheres em menopausa.

  • Produzir e divulgar materiais informativos específicos para diferentes realidades, incluindo mulheres do campo, periféricas e LGBTQIAPN+.

  • Estimular o protagonismo das próprias mulheres nos espaços de construção de políticas públicas e no controle social do SUS.

  • Garantir acesso gratuito e facilitado a atendimento psicológico, inclusive por meio de tecnologias e atendimentos remotos nas regiões mais isoladas.


Somente ao reconhecer essas mulheres em sua pluralidade será possível construir um cuidado em saúde verdadeiramente universal, integral e justo. Precisamos transformar o silêncio em política, a invisibilidade em ação, e o descaso em compromisso com o bem viver de todas as mulheres. Porque a menopausa não é um fim, mas um ciclo de transição. E toda transformação exige cuidado, respeito e políticas públicas comprometidas com a equidade.


Menopausa não é fim. É transformação. E toda transformação merece cuidado.


Referências

AKOTIRENE, Carla. O que é interseccionalidade. Belo Horizonte: Letramento, 2018.

BEAUVOIR, Simone de. A velhice. São Paulo: Nova Fronteira, 1990.


FELIPPE, Suane; LIMA, Milena. Lesbocídio: as histórias que ninguém conta. Revista Pagu, v. 55, 2019. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8654447. Acesso em: 07 abr. 2025.


FIOCRUZ – Fundação Oswaldo Cruz. Saúde da Mulher Rural no Brasil. Rio de Janeiro, 2022.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2022. Rio de Janeiro: IBGE, 2022.


INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO; FEBRASGO – Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. Percepções sobre menopausa e saúde mental. São Paulo: Instituto Patrícia Galvão, 2023.


ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Dados sobre envelhecimento populacional. Genebra: OMS, 2023.


PERES, Milena Cristina Carneiro; SOARES, Suane Felippe; DIAS, Maria Clara. Dossiê sobre lesbocídio no Brasil: de 2014 a 2017. Rio de Janeiro: Livros Ilimitados, 2018. Disponível em: https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/fontes-e-pesquisas/wp-content/uploads/sites/3/2018/04/Dossi%C3%AA-sobre-lesboc%C3%ADdio-no-Brasil.pdf


REVISTA BRASILEIRA DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA. Climatério e saúde mental: uma abordagem atual. Rev. Bras. Ginecol. Obstet., v. 43, p. 413–419, 2021. Disponível em: https://www.rbgo.org.br

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